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terça-feira, 24 de julho de 2007

O apartamento 103

Uma manhã a Araci do 101 veio me reclamar que o primeiro andar tava com cheiro de alguma coisa podre, que eu devia zelar mais pela higiene. Vê se pode? Uma coisa que nunca descuidei com da limpeza do prédio! E eu disse isso a ela, que ela me respeitasse, afinal, eu não tinha mais idade para ser desleixada! Agora, dentro dos seus apartamentos cada um que tem que cuidar de sua faxina, não é mesmo?

Apois! Mas enquanto eu falava com ela eu senti mesmo um cheiro assim meio estranho que vinha pela escada. Como você deve saber, eu moro no térreo. Aí, eu perguntei pra a Araci se não era da casa dela aquele cheiro. Pra quê? Ela nem me respondeu! Saiu batendo o pé.

Eu tinha que averiguar essa situação, não é mesmo? Afinal eu era a síndica! Quem sabe alguém, coitado, nem percebia o cheiro de sua própria casa? Dizem que nosso nariz acostuma, sabe-se lá. Fui direto pro primeiro andar e logo vi que o cheiro era de carne podre. Imagina só! Resolvi bater de porta em porta pra avisar pra cuidar de seus alimentos, ou quem sabe, que levasse logo o lixo para a casa de lixo, né? Porque tem gente que fica só esperando o saco ficar cheio pra descer o lixo. Há gente pra tudo!

Bati de porta em porta pra perguntar se não tinha esquecido carne na pia, se não era hora de descer o lixo. Fazer o papel de síndica chata, isso sim! Mas era necessário, fazer o que? Teve gente que entendeu, mas outros acharam ruim principalmente quando eu perguntava sobre o lixo. Quando abriam a porta eu via que o cheiro não era dos apartamentos. Só em três apartamentos não atenderam: o 103, o 302 e o 304. Mas o cheiro não era no terceiro andar, não. Era lá no primeiro andar mesmo!

Eu mandei fazer uma limpeza pesada nos andares, pra ver se saia a caatinga. Porque, como me disse a Dona Clarisse do 201, o cheiro podia estar no chão, de alguém que desceu com o lixo vazando algum líquido que já havia secado, só ficando o murrinho. A Rose passou, passou, passou produto, detergente, água sanitária e nada! O cheiro continuou! Na verdade, até aumentou!

De noite, deixei minha porta aberta pra poder ver o pessoal do 103, 302 e 304 passar. Eu falei com pessoal do 302 e do 304, mas nada do Seu Jonas do 103 passar. Fiquei até as 22 hs com a porta aberta, só esperando e nada! E fiquei lá sentindo aquele cheiro de carne podre. Quando a novela acabou, resolvi ir lá e bater na porta, porque ele podia ter passado e eu não visto! Ninguém atendeu. Enquanto tava lá buzinando, a Araci do 101 abriu a porta e disse que já havia buzinado lá e nada. Também disse que há dias não via Seu Jonas.

Eu não sou muito observadora da vida alheia, que isso é coisa de gente fuxiqueira. Mas já havia percebido que a caixa de correio do 103 realmente estava cheia., tanto que era difícil colocar novas correspondências. E puxando pela memória, realmente eu também já não o via há uns bons dias. E quando percebi isso, eu me preocupei!

Seu Jonas do 103 vivia sozinho desde que a mulher fugiu com um rapazinho que morava no prédio em frente ao nosso. A mulher de Seu Jonas, Kátia era o nome dela, era muito bonita e ficava se oferecendo pros homens daqui. O coitado trabalhando e ela descia com uns micro-vestidos, um perfume muito saliente, com aquele falar miado, pedindo pros vizinhos irem a casa dela consertar o encanamento, trocar o gás, tudo na hora que o marido não tava! Não podia dar outra, não? A gente começou a ver a Kátia de muito lero com um vizinho do prédio em frente, muito jovem, sabe? Acho que até a família dele morava no interior e ele tava aqui pra fazer faculdade. Morava com uma tia. Um dia, cadê os dois? Fugiram juntos em pleno meio-dia de uma quinta-feira, deixando bilhetes aos respectivos marido e tia.

Nesse dia Seu Jonas chorou como um bezerro desmamado. Ele que sempre fora reservado chorou até altas horas no ombro de quem estivesse disposto à consola-lo. No dia seguinte, voltou a sua introspecção, pior até! Sempre aparecia muito capisbaixo e encurvado. Tava pra perceber que até emagrecia.

E cerca de dez meses depois do acontecimento aquele cheiro de carne podre vindo do apartamento de Seu Jonas. Não era pra me preocupar? Ele devia ser louco pela mulher! Mesmo porque uma mulher daquelas não pode inspirar amor e sim loucura nos homens que cruzam seu caminho...

Nós não falamos nada, mas dava pra perceber que a Araci tinha a mesma preocupação nos olhos. Mas preferir falar nada e afastar esse tipo de pensamento que tava tendo, porque poderia ser só carne mesmo... carne do tipo se que compra no açougue. Mas naquela noite rezei dois terços na intenção de Seu Jonas.

No dia seguinte, o prédio estava infestado de moscas. Cada moscão! E eu que sempre fui zelosa pela limpeza e higiene, quando via aqueles seres me arrepiava toda! E apareceu também baratas, um nojo! Continuei inutilmente batendo na porta, tendo que agüentar um odor já insuportável. Verifiquei que as janelas estavam fechadas. E ninguém tinha algum número de telefone pra entrar em contato com ele ou algum parente. Eu só sabia que ele era professor, mas não sabia de quê ou onde.
Eu falando, você não faz idéia do fedor que estava de carne podre! Dava náusea, mal comi. De noite vários condôminos foram à minha casa e conversamos sobre aquele problema e nossa desconfiança de qual fosse à razão daquele cheiro todo. E se Seu Jonas tivesse se suicidado em casa? Eu também já começava à desconfiar, mas quando o Fernando do 204 falou, me subiu um calafrio pela espinha. E realmente era possível! Como não? Ser corneado e traído assim tão publicamente... A pessoa não é capaz de cometer uma loucura?

Imagina a minha situação: podia haver cadáver no apartamento logo acima do meu, no 103 e as pessoas despejavam as histórias mais macabras que tinham conhecimento. Além disso, se isso fosse verdade, olha que publicidade ruim pro prédio! Ia ficar marcado como o local que um homem se matou, os apartamentos aqui poderiam se desvalorizar.

Eu percebia que as pessoas ali em meu apartamento esperavam que eu tomasse uma atitude, mas eu não sabia o que fazer! Mas realmente o que não podia era continuar aquele fedor terrível, que já infestava todo o prédio e aquela invasão de insetos nojentos. Dona Clarisse do 201 como sempre veio com mais uma coerente observação: a gente tinha que notificar a polícia. Se fosse realmente o corpo de nosso vizinho a gente não poderia deixar ele lá apodrecendo no apartamento, além disso, ia parecer que a gente tem culpa no cartório. Se não fosse, a gente tinha o direito de que o motivo do fedor fosse eliminado, pois já era um caso de saúde pública aquele fedor e os insetos que estavam sendo atraídos.

Convocamos rapidamente uma assembléia de condomínio urgente, indo chamar os vizinhos que já não estavam lá na minha casa. Nunca vi uma reunião tão cheia! Todos queriam uma solução. Inclusive, o casal do 104 estava já indo passar a noite na casa de parentes deles, já que o cheiro era muito forte e eles tinham uma filhinha asmática. Foi decidido que no dia seguinte seria feito uma B.O. na delegacia do bairro. E ainda bem que Seu Cláudio do 301 se predispôs à me acompanhar, já que realmente delegacia não é ambiente pra uma senhora respeitável como eu estar sozinha.

Confesso que mal dormir. Rezei muito pela alma do Seu Jonas, que encontrasse a paz e a luz necessária e que Deus lhe perdoasse a retirada da própria vida. Com certeza no apartamento a polícia acharia números de telefones para contactar os parentes sobre o ocorrido, que poderiam tomar as providências quanto ao corpo.

Na manhã seguinte fui levando a ata da assembléia. Graças à Deus, a delegacia estava calma e fomos atendidos por um policial simpático, Eu contei tudo, todo o motivo da desconfiança, como era a esposa de Seu Jonas, tudo que eu sabia. Mas só porque poderia ser útil aos policiais, pois não sou do tipo que faz fofoca! De lá dois policiais nos acompanharam para averiguar a situação. Eu já estava tremendo como vara verde só de pensar no que seria encontrado no apartamento 103. Voltei ao prédio no carro de Seu Cláudio rezando o terço pela alma de Seu Jonas.

Chegando ao prédio, os dois policiais viram que realmente tava muito forte o fedor de carne podre, a quantidade de moscas que infestavam o prédio e decidiram que o apartamento tinha que ser averiguado. Foi chamado o chaveiro da banquinha a uma quadra do prédio para que a porta fosse aberta. Meus olhos já estavam cheias de lágrimas.

Quando a fechadura foi desmontada e a porta aberta, os dois policiais entraram. Depois de cerca de cinco minutos saíram rindo, dizendo que tinha cadáver nenhum. O fedor vinha da carne e comida que estava na geladeira sendo que as chaves da caixa de luz estavam desligadas. Ou seja, a comida apodreceu dentro da geladeira. Chega já tava cheio de bichinhos na carne! Eu me dispus à juntamente com a Rose jogar fora tudo e limpar depois a cozinha.

Foi tendo ânsia de vômito que conseguimos tirar toda aquela carne e jogar fora. O congelador tava abarrotado de carne, por isso todo aquele fedor! Gastei três garrafas de água sanitária pra limpar tudo. Levou muito esforço e tempo, mas de noite já estávamos livres do fedor e das moscas. Registramos tudo, é claro, no Livro de Ata.

Mas continuava a curiosidade sobre o paradeiro de Seu Jonas, já que se a carne chegou á apodrecer dentro da geladeira de dar bicho. Cerca de duas semanas ele reapareceu. Claro que pedimos justificativas, né? Mesmo porque a gente tinha que justificar o fato que chamamos a polícia, entramos no apartamento dele e jogamos fora toda a comida da geladeira. O coitado virou muito sem-graça e contou que tinha ido à um Seminário em São Paulo e lá decidiu ficar mais tempo tirando as férias atrasadas, ficando cerca de um mês e meio. Ele havia desligado as chaves de luz pra economizar luz e evitar acidentes, mas não imaginava que a comida ia apodrecer. Vê se pode? Um homem que me pareceu ser de tanto estudo!

7 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o post.. mto original!!!!
Adorei o Blog.. Bjos

Pk Ninguém disse...

Bem bacana, mas te dou uma dica, ponha espaços entre os parágrafos, isso ajuda o leitor a descansar os olhos.

Abraços!

Silêncio de Chumbo disse...

otimo conto!!

coloquei o cd que vc me indicou no meu blog.. valew pela dica!

Guilherme Gomes Ferreira disse...

Isso é um conto? Não aconteceu de verdade? Não acredito! Diga que aconteceu, diga!

Cada detalhezinho, nossa, muuuuito legal esse post! Muito divertido tbm!
hahahaha eu já tava até vendo o coitado do Seu Jonas aqui do meu lado pedindo luz pra alma dele! hahahahaahahahahhahahahahhahahahaha

ai ai...rsrsrs muito legal!
beijo moça!

Pk Ninguém disse...

Ah ficou bem melhor agora! Dei a dica não querendo me intrometer no seu estilo de escrita, mas sim porque meus textos são bem longos e sei com é cansativo de se ler algo grande, por melhor que seja sem um intervalo.

Agora respondendo a sua pergunta: Nintendo Wii é um videgame onde você realmente interage com o jogo, isso se da através de um controle remoto, que interpreta os seus movimentos e transfere pro jogo. Um exemplo: Se o jogo for um jogo de tênis, você terá de usar o controle remoto como se fosse realmente uma raquete de tênis.

André Martins disse...

Que show de conto!!
Nota 1000!
hehehehe
Bjs!

Anônimo disse...

Peloa mor d deus que veio porco rs...