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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Conrado

Ela quase não foi ao cinema naquele dia. Havia levado um bolo da amiga. Chegou tarde, já passavam os trailers, decidiu sentar no assento vazio mais próximo.

- Posso sentar aqui ou tá guardado para alguém?

-Não. A cadeira está livre. - uma voz masculina respondeu.

No meio do filme, a tela escureceu e as luzes guias apagaram. Tensão. O que houve?

- Gente, faltou luz. Esperem que irei ligar o gerador. - gritou o projetista.

Riso nervoso. Tinha um medo irracional e infantil do escuro. O rapaz sentado ao seu lado percebeu.

- Se acalme, moça. Logo a luz voltará. Além disso, estou aqui prá te proteger! - e se segurou sua mão que estava fria e suando.

Foi assim que Camila e Conrado se conheceram.




Camila não sentiu a menor atração pelo Conrado. Não que ele lhe fosse desagradável, mas o achou muito mauricinho. Mas Camila tinha muito claro que os caras que mais a atraíram foram os que mais a fizeram sofrer. Enquanto os outros caras fugiam de assumir um namoro, apesar dos meses de "rolo", Conrado desde o inicio deixou claro que queria um compromisso.

O Cupido flechou Conrado, mas parece que esqueceu de Camila. Mas não fazia mal!

O que Conrado não lhe provocava em paixão, compensava em conforto e mimos. Compras, ida a bons restaurantes e fins de semana em pousadas charmosas do litoral se tornaram rotina para Camila. Os pais de Conrado tinham uma pequena rede de panificadoras na região. Conrado já trabalhava na administração dos negócios, apesar de estar ainda no meio da graduação.

Em resumo, Conrado não era o homem dos sonhos de Camila, mas poderia ser o homem de sua vida. Vida essa sem grandes emoções, mas confortável num relacionamento bem morninho. Tinha afeto pelo namorado.

Conrado avisou a Camila que iria viajar por alguns dias durante o carnaval. Camila nem perguntou o destino, afinal, ele só poderia estar viajando para resolver algum problema da família ou dos negócios. Caso contrário, certamente iria levá-la. Na verdade, ela até esqueceu a tal viagem, tão descansada que ficou.



Manhã do sábado de carnaval. Camila achou estranho quando percebeu que já eram onze horas e Conrado ainda não havia ligado. Onde será que ele o levaria para almoçar dessa vez? Deu caixa. Fez várias tentativas, com o mesmo resultado.

O coração de Camila estava espremido de preocupação. Tinha certeza que algo havia ocorrido. Afinal, sempre nesses dois anos ela havia conseguido falar rapidamente com o namorado. Já passavam da uma hora, quando finalmente Conrado retornou.

-Eu não te falei que iria viajar nesse carnaval? Então? Acabei de chegar no aeroporto de Salvador!

Salvador? Havia ido ao carnaval soteropolitano sem ela? Sozinho? A surpresa foi tanta que mal conseguiu se despedir, no telefone. Sentiu que Conrado havia lhe passado para trás, afinal, quem não conhece a fama do carnaval de Salvador. Claro que as intenções dele não eram as mais inocentes, ao omitir para onde iria.

Mas não sentiu raiva e nem ciúme. Muito pelo contrário, um onda de adrenalina lhe invadiu o corpo. Conrado não era aquele homem tão certinho e bonzinho que chegava a ser insosso. Era um homem de verdade! Sonhou a noite toda com ele.

-Filha, eu preciso falar com você. Mas antes preciso que você se mantenha calma.

A mãe acordá-la daquela forma era no mínimo preocupante. Será que alguém havia se acidentado?

-Filha, eu não vou te enrolar. Conrado não está viajando a trabalho, como eu já suspeitava.Ele acabou de aparecer numa reportagem sobre o carnaval de Salvador agarrando em uma mulher. E olha filha, não há dúvida, porque inclusive ele deu uma entrevista sobre isso.

A mãe deve ter confundido a cara de felicidade com cara de choque. Para Camila, Conrado agiu como homem! Sentiu orgulho de seu homem! E diga-se de passagem, era a primeira vez que Camila pensava nele como "seu homem". Olhou a foto de seu namorado num porta-retrato na cômoda e sentiu seu coração acelerar.

Finalmente, o Cupido a havia flechado! Estava apaixonada por Conrado!

Enquanto ela suspirava pelo seu homem, o telefone começou a tocar. Todos viram o Conrado na folia baiana. Inclusive, a filha da colega de trabalho da mãe já havia encontrado um link prá assistir ao vídeo pela internet.

Camila achou melhor tentar camuflar sua felicidade pela pulada de cerca de Conrado. Afinal, sabia que não foi correto o que ele fez. Mas também não o condenou, o que aliás nem precisava já que todas já o faziam por ela.

"Homem é tudo igual!" / "Ele merece é levar outro corno!" / "Foi se divertir com as filiais, mas vai acabar voltando a matriz!" / "Mantenha sua integridade, não queira mais ele." / "Ele não te merece!" / "Sempre suspeitei daquela cara de santo!"

Quanto mais o assunto era comentado, quanto mais a olhavam com pena, mais apaixonada Camila se sentia. Não via a hora de Conrado voltar. Não via a hora de ele ligar e ouvir sua voz. Nunca o desejou tanto! Mas ele não deu notícia.


Na sexta, finalmente uma mensagem chamando-a para conversarem num bar próximo da casa dela. Ele não foi buscá-la, pela primeira vez, mas ela queria tanto vê-lo! Se vestiu sensualmente. Seria uma "reconciliação" em grande estilo. A mãe foi contra sua ida, mas ninguém seria capaz de detê-la.

Conrado estava com um semblante sério, nunca dantes visto por Camila. Deveria se sentir tão culpado! Se agarrou a ele, quis beijá-lo, mas ele desviou a boca.

- O que foi meu amor? Não sentiu saudade? Eu sei que foi só uma loucura de carnaval! Eu te perdôo.

-Camila, senta ai que precisamos conversar.

Não pode crer em seus ouvidos ao ouvi-lo dizer que há algum tempo sentia que aquele namoro não tinha futuro, que já havia gostado muito dela mas nunca sentiu reciprocidade e que aquela viagem era um teste para ele. Não havia volta! Ele não se sentia mais compromissado a ela, por isso a viagem. Era necessário terminarem o relacionamento e cada um seguir seu caminho.

Camila chorou desesperada, implorou que Conrado voltasse atrás na decisão. Jurou amor, contou como se sentiu ao saber do ocorrido no carnaval. Não podia perder seu grande amor!

-Agora é tarde! Você devia ter descoberto todo esse seu amor mais cedo. E, ao contrário de você, eu não vou namorar alguém que não goste de fato. Mesmo porque, eu não ganho nada com isso: nem emocionalmente e nem financeiramente. Eu não sou do tipo interesseiro, eu sempre fui interessado. Não posso dizer o mesmo de você!

Durante uma semana mal dormiu, mal comeu, mal saia do quarto. Tentou falar com ele várias vezes pelo celular, sem sucesso. Tentou o msn, foi bloqueada. No orkut, novamente bloqueada. As aulas recomeçaram na faculdade e continuou na cama, chorando.

Mas toda tempestade um dia termina. Percebeu que sua vida tinha que prosseguir. Resolveu ir ao shopping. Quando deu por si, estava na fila do cinema. Ao entrar na sala de projeção, escolheu sentar ao lado de um rapaz sozinho:

-Esse assento está reservado para alguém?

-Não, você pode ficar.