Desde 2006 servindo algumas lasanhas e muitas abobrinhas.

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domingo, 25 de fevereiro de 2007

A mala.

"Todo carnaval tem seu fim e é o fim. E é o fim.
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz"
Marcelo Camelo
O Carnaval acabou. Não só na cidade, na programação televisiva, mas principalmente na vida de Irene. A mala semi-aberta no chão deixava revelar que parte de seu conteúdo ainda não havia sido retirado. Havia dois dias que retornara para sua casa. Se alguém lhe perguntasse o motivo de não ter finalmente esvaziado a mala, Irene alegaria falta de tempo, pois estava entretida com medidas mais urgentes. Mas esta seria uma meia-verdade. Realmente, desde que regressou a seu apartamento, Irene teve que regar as plantas já semi-desidratadas, repor o estoque da dispensa, retornar as ligações sa secretária eletrônica e responder aos e-mails recebidos, entre outras pequenas medidas que qualquer pessoa que se ausenta por um pequeno período de casa necessita realizar em seu retorno.
Porém o principal motivo pra mala permanecer no chão, ao lado da cama, ainda exibindo sandálias, roupas e pequenas sacolas plásticas não era a falta de tempo. Desfazer completamente a mala significava o fim definitivo de seu carnaval. Mesmo que tenha ido pra uma pequena vila litorânea, longe de qualquer agito carnavalesco, Irene ali viveu seu carnaval, seus momentos de folia, alegria despreocupada e sem celular. Assim, Irene a principio retirou as roupas usadas e sujas, verificando que havia usado apenas dois terços das roupas que havia levado. Seus dias foram de biquine e saída de praia. A noite, uma camiseta, sandália rasteira e bermuda ou mini-saia. Depois, gradativamente, retirou as coisas que necessitava como: seus cremes, o tênis, peças de roupas, o livro que estava lendo.
Esvaziar de vez a mala significa o retorno definitivo a sua rotina de secretária. O despertador implacável às 6 hs., o café tomado com um olho no relógio/ outro na tv, o ônibus cheio às 7 hs., o "bom dia" mecânico a cada pessoa que encontra até sua mesa, o computador com a foto de um cachorro no desktop, o ar congelado do escritório, a comida sem tempero do retaurante a quilo da esquina, as mesmas piadas sem graça na hora do cafezinho, o banheiro do andar com cheio de água sanitária, a sensação no fim do expediente que nem tudo foi feito, outro ônibus lotado, a fila na padaria, a novela cada vez mais apelativa, o telejornal com notícias requentadas ou manipuladas, a briga com o sono. Como se a mala fosse ela mesma e as coisa que ainda permaneciam nela significassem seus sonhos, sua alegria, sua vontade de ser feliz!

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Sem camarote e sem abadá.


Eta lelê!!!! Salvador desde ontem oficialmente em Carnaval. Digo oficialmente por que a verdade é que desde o início do verão que a cidade está em festa, né? É um tal de lavagem aqui, Dia de Iemanjá acolá, Festival de Verão prá cá, ensaios prá lá... que VIVA SALVADOR, haja folêgo e principalmente dinheiro pra tanto!!!
E olha que nada dessas festas não é nada perto do valor pra brincar o Carnaval! Hoje vi anunciando a venda pra brincar um diazinho num bloco por... por... (prepare-se!!"), por R$600,00. Isso mesmo!!! Seiscentos reais por um dia!!! VIVA SALVADOR!!!
Infelizmente se quiser aproveitar o carnaval com o mínimo de conforto e segurança no carnaval hoje, só há duas opções: Bloco de Carnaval ou Camarote. Mal o Carnaval termina, já se começa a pagar as prestações pro carnaval seguinte, só assim que muita gente consegue brincar. Claro que pagando assim, não fica R$600,00 o dia... acjho que dependendo do bloco, nem os 2, 3 ou 4 dias que o bloco sai. Esse valor já é de cambista. Mas baratinho, não é! Um pouco antes do carnaval, vi anunciando o dia num camarote por R$140,00 ou R$160,00 (dependendo do dia) ou mais de R$200,00 com Open Bar. É por essas e outras que continuo aqui, sem camarote e sem abadá. Me dá pena gastar meu dinheirinho assim! Eu até que já estive num camarote, no carnaval de 2000. Não era Super-Luxuoso, mas gostei muito! Ver tudo lá de cima, sem estar sendo estremida e ainda comendo pãozinho com salame foi muito legal!
Confesso que nem é um sacrifício assim não sair no carnaval. Sabe, geralmente eu vou um ou duas noites só pra dar uma olhadinha, mas acho que esse ano não vou e nem vontade eu tenho. É uma muvuca, um empurra-empurra, um aperto, sem falar nos beliscões, puxadas de cabelo e caras que ficam agarrando... E não tem banheiro que preste, andar muito até chegar no ponto de ônibus pra esperar uma vida e viajar em pé no maior aperto... Ih! Quero isso não!
Mas carnaval tem uma parte lúdica muito interessante. É a época pra você ser o que quiser! Até a quarta -feira de Cinzas não existem problemas, dívidas, nada de ruim! Só a vontade de ser feliz!Isso eu acho bonito! Mesmo sem está usando uma de fato, muito na verdade, no Carnaval (seja aqui em Salvador ou qualquer outro lugar) está "mascarando" sua realidade, seu modo de viver, atras de músicas, danças e risos.
Estava vendo hoje no telejornal sobre o Carnaval no Recife e me pareceu ser tão bonito! Também fico curiosa de saber como é o Carnaval do Rio. Acho mais fácil gastar pra ver os carnavais desses lugares do que pagar pra sair num bloco ou camarote daqui. Não é porque eu esteja fazendoi pouco do carnaval daqui, mas esse eu já conheço! Infelizmente o comodismo nos faz não ver tão claramente o brilho de beleza que há. A vida é assim!
Mas o importante é se lembrar que todo carnaval tem seu fim, mas as consequências não. Essas podem repercutir por toda a vida!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Decisão de Carnaval

Celina abriu o caderno, escolheu uma caneta e escreveu:
Se o carnaval inicia hoje, porque resisto em vestir minha fantasia?
Hoje, pelo menos por hoje serei eu! Serei honesta comigo mesma! Serei leal a mim!
Hoje não me importarei se o que me faz feliz magoa outras pessoas. Passarei de trator pelo jardim alheio gargalhando.
Tantas vezes nos preocupamos, nos sacrificamos, sofremos calados e depois não recebemos nenhuma palavra de agradecimento. Descobrir que não tenho vocação pra mártir, pra santa.
Por isso, falem o que quiserem! Joguem suas maledissências sobre as minhas atitudes! Façam isso!
Eu não me importo mais com ninguém que não seja eu mesma!
Releu o que havia acabado de escrever. Arrancou a página do caderno e colou-a no espelho do banheiro usando durex.
Releu a página, tomou banho e foi assistir a novela.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Caixa de presente


Ao sair de casa, Laura encontrou defronte sua porta uma imensa caixa de presente laranja com um enorme laço vermelho. Ela pegou a caixa e deixou-a defronte a casa da vizinha.
- Mas por que você fez isso, Laura?
-Por que eu quis!
Assim se encerrou a conversa.


E eu fico cá pensando com meus botões quantas caixas de presente a vida pôs na minha porta e eu coloquei na do lado...

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Nara

Como dito no post anterior, eu e Anne Rodrigues nos propomos a uma iniciar um conto e a outra finaliza-lo. Dessa vez, Anne iniciou (azul) e eu finalizei (verde). Espero que gostem!

Nara não tinha a vida que pediu a Deus. Longe disso, sonhava com o momento no qual encontraria a felicidade. Mas isso não seria tarefa fácil. Agora, então, seria ainda mais difícil. Ela não se reconhecia, não entendia porque havia agido daquela forma. Poderia ter pedido ajuda, procurado a sua tia.
Fazia tempo que não a encontrava. Desde quando completou dezesseis anos e decidiu sair de casa. Não suportava mais ser maltratada, nem vê-la sendo espancada pelo marido. A casa ficava mais calma quando ele passava alguns dias sumido, mas sempre acabava voltando e ainda mais violento. Uma dessas vezes Tonho sumiu por quase dois meses. Terezinha, tia de Nara, até tentou arrumar trabalho na época. Mas o marido voltou e as mantiveram presas por vários dias sem sair de casa, até ter certeza que ela mudara de idéia.
Ficou com a tia porque não havia mais ninguém. Sua mãe a abandonou quando ainda usava chupetas. O pai... bem, este ela jamais conheceu. Não tinha raiva dos pais. Também não os amava. Aliás, na verdade não tinha nenhum tipo de sentimento por eles. Eles eram como estranhos, apenas isso.
Tomou mais uma dose da cachaça que havia sobrado. Precisava de coragem. Por acaso alguém entenderia que ela havia agido por amor? Não que ela morresse de amores por Dan. Ela morria de amores era por ela mesma. Ela estava em primeiro lugar na sua lista de prioridades. Mas agora que tudo aconteceu, ela precisava buscar uma solução.
Ouvia vozes e risadas vindas de fora da cabine do banheiro onde estava. Eram de duas mulheres dando palpite uma na roupa da outra. Nara começou a prestar atenção na conversa lá fora, até pra distrair sua mente, como se fosse possível esquecer. Enquanto escutava, tomava mais goles da cachaça. Sentada na tampa da privada, tinha aos seus pés quatro sacos plásticos com o que achou necessário no momento. Descansou a garrafa no chão e pôs as duas mãos sobre os olhos. Precisava parar de ficar relembrando o acontecido e começar a agir. Sem desespero!
Dan, que havia sido seu porto seguro, agora precisava dela. Nara se sentia responsável pela situação que Dan estava metido. Não havia tomado cuidado para que Tiago não desconfiasse de suas supostas visitas a salões e amigas desconhecidas. Ela se sentia muito segura em ir encontrar Dan na hora que eles bem desejassem. Percebeu que não lamentava o acontecido com Tiago, como se ele fosse um desconhecido. As lágrimas que banharam seu rosto eram por sua causa e de Dan. Mas estas desceram silenciosamente. “Isto deve ser um pesadelo! Oh Senhor, me acorde desse pesadelo!” Orava mentalmente.
Ao retirar as mãos sobre os olhos, mirou a aliança dourada em sua mão esquerda. Nela, um N e um T se entrelaçavam. Ficou olhando a aliança longamente como se a visse pela primeira vez. Já fazia nove anos que havia entrado naquele bar com o firme propósito de ficar com o primeiro cara que lhe desse bola e nunca mais vê-lo. Queria se vingar de Dan, seu namorado há três anos, por ele ter viajado sem ela pra Porto Seguro em pleno carnaval. Seguramente não havia a convidado pra poder ficar com várias garotas. Se ele pode, eu também posso, pensou. Ao ver aquele rapaz franzino, de olhos verdes e bem vestido, nunca imaginaria que dois anos depois estaria se casando com ele.
Nara nunca foi apaixonada por Tiago, mas esse deu a ela coisas que ela nunca havia tido: um lar, uma vida confortável e principalmente, a certeza que era amada. Pela primeira vez, Nara teve uma pessoa que fazia todas as suas vontades. Porém, há dois anos, na saída de um shopping pegou um táxi e pra sua surpresa o motorista era Dan. Ao vê-lo, de novo Nara teve sensações que julgavam esquecidas: as mãos suando, uma sensação no estômago como se estivesse repleto de borboletas, o tremor nas pernas... Foi impossível resistir aos pedidos dele de voltarem a se encontrar.
No inicio, tentaram ser discretos e encontravam-se uma vez por semana ou a cada duas semanas. Nessas ocasiões, um táxi parava na frente de uma casa de portões altos e Nara sentava no banco da frente do carona. Esse mesmo táxi deixava-a em casa às 17h20min aproximadamente, ou seja, cerca de 40 minutos antes de Tiago voltar pra casa. Porém esses encontros passaram a ser mais freqüentes e por várias vezes quando Nara chegava em casa, Tiago já havia voltado. Para disfarçar, alegou que o fim da tarde era o único horário disponível de sua manicure predileta, tendo que ir ao salão pela manhã pra sustentar sua mentira. Porém, como não podia sempre alegar essa desculpa, inventou visitas a amigas, a igreja e até um curso de inglês que foi seu álibi até Tiago se interessar em fazer curso no mesmo local que ela. O fato de Tiago fazer periódicas viagens a trabalho facilitava seus encontros com Dan.
Apesar de Tiago fazer cada vez mais perguntas sobre as saídas dela, Nara estava confiante que ele nunca descobriria que não se preocupava de repetir desculpas, se contradizer e por vezes ser pega na mentira por Tiago. Por isso sua surpresa ao ouvir durante o banho, apos o som da buzina da casa de Dan, as vozes do dono da casa e Tiago discutindo e depois o barulho de objetos caindo e do que pareciam serem uma briga corporal. Tiago havia saído naquela manhã dizendo que ia precisar viajar a São Paulo pra umas reuniões e só voltaria dali quatro dias. Nara entrou em pânico! Vestiu-se apressadamente e ficou do banheiro ouvindo o que acontecia, sem saber o que fazia. Nunca havia sentido tanto pavor em sua vida! Percorreu inúmeras vezes os poucos metros do banheiro. Pensou em tentar quebrar o basculante, sair do ele e fugir. De repente um profundo grito que silenciou todos os outros barulhos da casa e que foi diminuindo de volume.
Resolveu enfrentar a situação e saiu do banheiro. Na cozinha encontrou a cena mais terrível que havia visto na vida: Tiago caído no chão, segurando ainda a camisa de Dan e este segurando o cabo da faca de destrinchar galinha enterrada na barriga de Tiago. Percebeu que aquele não havia sido o único corte feito por Dan. Finalmente Tiago soltou a camisa de Dan e este se jogou pra trás.
Mas uma vez, em menos de duas horas, Nara estava num banheiro sem saber o que fazer. Quem poderia perdoar o que ela fez? Quem entenderia suas razões? Resolveu definitivamente não procurar a tia, afinal esta já havia tido problemas demais na sua vida. Percebeu que apesar de saber que Dan tinha mãe e avó vivas, nunca havia conhecidos elas e nem sabia onde moravam. Não havia uma amigas ou amigos a quem poderia pedir ajuda. Ela estava sozinha! Ou melhor, ela agora só tinha Dan! Precisava fugir pra livrá-lo da culpa que na verdade era dela.
Quando Nara retornou ao carro, Dan continuava adormecido no banco do carona e tinha um filete de sangue que descia desde a sua testa passando pelo rosto e descendo pelo torso que se mostrava pela camisa rasgada. Felizmente Nara havia encontrado aquele supermercado 24 horas. Tinha estacionado no fundo do estacionamento coberto e trocado suas roupas por outras que não estivessem sujas de sangue, ainda no banco do motorista. Dificilmente as 2 da madrugada alguém iria ver Dan no carro, mas mesmo que visse, o vidro fumê impediria que vissem o sangue. Apesar de ter bebido uma garrafa de cachaça, nunca se sentiu tão lúcida! É a adrenalina que não me deixa ficar bêbada, pensou.
Sentou-se no banco do motorista e pôs as quatro sacolas plásticas no centro do banco traseiro, de modo que pudesse manusear os seus conteúdos. Ao mirar de novo o rosto de Dan, novamente lhe veio a mente a cena de Tiago de olhos arregalados e boca escancarada num grito, com a faca enterrada até o cabo em sua barriga de onde saia uma profusão de sangue.
Não sabe como teve coragem e força para retirar a faca. Foi o instinto de sobrevivência que a fez retirar a faca da barriga de Tiago, tomando o cuidado de antes enrolar uma toalha de visitas que achou no banheiro, para que suas digitais não ficassem impressas no cabo. Foi esse mesmo instinto que a fez revistar os bolsos da calça de Tiago atrás de dinheiro e das chaves do carro, enquanto este tentava numa última tentativa de sobrevivência tentava puxa-la em um pedido de socorro. Entretanto, se desvencilhou de Tiago, foi ao quarto pegou a sacola com suas roupas e com muito esforço ajudou Dan a entrar no carro. A faca foi colocada no porta-malas. Agradeceu por Dan morar alguns metros distante dos vizinhos. Porém, certamente devem ter ouvido a briga e logo a polícia apareceria. Ela precisava fugir com Dan pra longe dali!
Respirou fundo. Retirou de uma das sacolas o pote de lenços umedecidos. Retirou um lenço e começou aos poucos a limpar o rosto de Dan, usando como lixo a sacola plástica onde estava o pote. Quando passou o lenço por cima do grande corte que havia na testa, Dan soltou um profundo gemido.
- Schhhhhhhhhhhhhhh! Calma, Dan! Eu estou aqui ao seu lado.
Com cuidado limpou Dan da melhor forma possível, gastando todo o pote de lenços umedecidos. Nos ferimentos passou merthiolate e cobriu com band-aid ou curativos de gaze e esparadrapo, de acordo com o tamanho. Ajudou-o a trocar a camisa e a calça por outra que havia acabado de comprar. Enquanto fazia isso, um pensamento lhe atravessou a mente pra sua inquietação: assim como sua tia Terezinha era cativa de Tonho, ela estava presa a Dan.
Guardou o restante do material comprado, antes oferecendo as comidas e bebidas que havia comprado à Dan.
Deu partida no carro às 4 hs da manhã sem saber pra onde iria e sem perceber que dirigia em zig-zag.