Já acreditei que Salvador não tinha uma programação cultural rica que fizesse jus à seu tamanho. Porém estava enganada. Se de um lado não chega aos pés da diversidade de eventos de São Paulo e Rio de Janeiro, também não é o deserto mono cultural que eu via. O problema é que eu era mal-informada. E a culpa não era só minha, mas também da falta de divulgação maciça que há dos eventos que não sejam shows de axé e pagode das bandas já consolidadas. Mas através de algumas pesquisas por comunidades de orkut, sites de jornais e etc, descobre-se os eventos na cidade. Numa dessas comunidades, estava divulgado que haveria um pocket show gratuito com o escritor João Ubaldo Ribeiro. Sendo que não havia nenhuma resposta no tópico. Tive a impressão que só eu li. Ou então que era um engano ou uma brincadeira...
Mesmo desconfiada, marquei com todas as minhas amigas para nos encontrarmos no local do pocket show. Pelo menos alguma tinha que aparecer!!! Nenhuma delas havia sabido que haveria esse evento. E olha que pelo menos 2 delas se declararam fãs do escritor! Como é que podia??? Ninguém sabia??? Será que iria acontecer mesmo??? Respirei aliviada quando minha mãe comentou que hoje ouviu "alguma coisa sobre isso" no rádio.
Graças à Deus, duas amigas atenderam a meu chamado, sendo que uma levou uma pequena caravana. No mesmo lugar, ocorria uma Feira Hype. Enquanto escolhia pulseiras enroladas em tiras de pano colorido, observei o público.
A grande maioria se encaixava no perfil "indie-universitário". Confesso que como já esperava isso, tanto que me vesti à caratér. O uniforme jeans-bota-blusa-preta deu lugar à um vestidinho com estampa geométrica, all star, bolsa de pano vermelha com retalhos, cabelo solto com a franja partida de lado e delineador nos olhos. Foi o mais indie que consegui chegar e acho que ninguém percebeu meu esforço.
Finalmente iniciou-se o pocket show. Realmente o João Ubaldo é muito simpático! Pelo menos ele foi. E de uma paciência... Falou de quando era estudante fazia as redações dos colegas em troca de pastel e coca-cola, a hipocrisia com que é vista a produção por encomenda de livros, de Itaparica, do lulismo (Gente, quando chegou nesse ponto, ninguém queria fazer perguntas sobre outro assunto!), de como é o processo criativo e etc... Engraçado foi quando uma professora de literatura fez uma pergunta usando aquelas palavras bonitas, mas que ninguém que não seja da área entende. João Ubaldo não entendeu, inclusive! rs
Mas, aí entendi qual seria o motivo de não ter sido tão divulgado. A platéia estava repleta de estudantes de Letras, jornalistas e professores. Deveria, então, ter sido divulgado só prá esse "público seleto"...
Saquei meu livro de 1981, "Livro de Histórias", que minha mãe havia comprado pelo Círculo do Livro, para o tradicional autógrafo. Um monte de gente já estava em cima do autor, esticando livros para as assinaturas, flashs pipocavam, todo mundo querendo fazer uma última pergunta pessoalmente, ou falar de quem é filho ou neto. O pessoal da produção falou que os autografos seriam dados numa outra mesa, de forma organizada. Eu e um grupinho fomos fazendo nossa filinha. Mas, cadê o homem? De longe víamos que João Ubaldo continuava no mesmo lugar cercado de umas dez pessoas. Mas eu tava confiante que ele viria à mesa nos atender.
Que ilusão a minha! Ele tava com pressa de voltar a Itaparica. Mas como assim, se é logo ali, e logo se chega à ilha? Um dos rapazes da produção veio até nós na fila e nos avisou que era pra gente correr e colar no escritor, que ele já estava de saída. Claro, corremos e João Ubaldo já irritadíssimo! Peguei uma caneta na bolsa e estendi junto com o livro. Ele deu autografos apressados, entre gritos para a filha o tirar de lá.
Sim, aqueles riscos-pseudo-escrita-cardiograma-morre-não-morre da imagem acima é o autografo do homem. Eu devia ter fotografado, para que acreditem, mas como poderia fazer isso naquela pressa, naquela confusão???
Fui lanchar e dez minutos depois, quando retornei ele já havia ido embora. Ainda dei uma volta, mas uns vinte minutos depois já estava no meu ônibus de volta. Como o trajeto demoraria quase 1 hora, aproveitei pra abrir o livro recém-autografado para lê-lo pela primeira vez.