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domingo, 10 de dezembro de 2006

Carregando a mulher

Ontem me lembrei de uma estória que me foi contada á cerca de nove anos atrás e que contarei de novo aqui. Lembrando que quem conta um conto, aumenta um ponto.
"O Mestre e o Discípulo viajavam à pé, quando necessitaram atravessar o leito de um rio. O rio era raso, tinha cerca de um metro de profundidade e eles decidiram atravessar andando. Quando iam iniciar a travessia, viram que na mesma margem do rio havia uma jovem mulher, com um longo vestido ricamente bordado, aparentemente ansiosa. Ela esperava alguém passar com um barco para que ela pudesse atravessar para a outra margem. O Mestre então, para o espanto do Discípulo, se ofereceu para carregar a jovem mulher de uma margem a outra e assim foi feito.
O Discípulo não conseguia conter a perplexidade, porque afinal, o Mestre deveria cumprir voto de castidade. Não poderia desejar, muito menos ter contato com mulheres, principalmente as bonitas jovens. "Como pôde fazer isso? Isto é errado! Ele não devia ter carregado aquela jovem!", não parava de pensar.
E durante três dias o pensamento do Discípulo foi tomado pelo pensamento que o seu amado Mestre havia rompido com seu voto de castidade. E o que lhe causava maior assombro era o fato do Mestre não se mostrar arrependido. Parecia que nada havia acontecido! Porém, o Discípulo não comentou nada com o Mestre, por receio de deixá-lo zangado em relembra-lo o erro que cometeu.
Ao fim dos três dias, à noite, finalmente o Mestre perguntou qual era o motivo do Discípulo estar tão inquieto nos últimos dias.
-É porque eu não entendo um ato do senhor.
-Qual ato que você não entende? Fale-me que poderei ajudá-lo a compreender!
- O senhor assim como eu não devemos desejar ou ter contatos diretos com mulheres. Deveríamos honrar com nosso voto de castidade.
-É verdade! E qual a sua dúvida em relação a isso?
-Eu não consigo entender como então o senhor carregou em seus braços uma jovem mulher.
-Uma jovem mulher? Que jovem?
-No rio, há três dias atrás.
O Mestre parou por cerca de dois segundos como se tentasse relembrar que fato foi este que o discípulo mencionava.
-Eu ajudei à uma pessoa em dificuldade a atravessar o rio. Foi aquela jovem, mas eu faria o mesmo por um jovem rapaz, um idoso, uma criança, ou qualquer outro que necessitasse atravessar o rio e tivesse alguma dificuldade nisso. Não sei qual o problema nisso, porque outra obrigação que também devo cumprir é de ser caridoso com o próximo. Mas se você quer pensar que carreguei uma jovem mulher, tudo bem! Eu a carreguei em meus braços por aquele rio, num percurso que durou no máximo três minuto e depois a deixei naquela margem não só fisicamente, mas também em meus pensamentos. Não pensei mais sobre ela ou a travessia. Entretanto você a carrega à três dias em seus pensamentos, trouxe ela até aqui. "
Eu sou professora de alfabetização em uma escola pública num bairro de periferia. Ontem comentei à uma amiga, quando lhe contei essa história, que devo deixar meus alunos lá na escola. Eu não posso ocupar minha mente o tempo todo com os diversos problemas que eles trazem até o ambiente escolar. Assim como a sala-de-aula não é local pra eu ficar pensando naquela conta que não sei onde irei arranjar dinheiro para pagar. Caso contrário, irei ficar mais estressada e emocionalmente desgastada e isso não ajudará meus alunos!
Imaginem se por exemplo um médico cancerologista ficar o dia a noite toda pensando no sofrimento e na doença de seus pacienetes. O médico não conseguirá ajudar à seus pacientes e ficará doente junto!
Uma vez li uma entrevista do Dr. Dráuzio Varella em que ele respondia que o segredo para conseguir cumprir tantas atividades era estar 100% no local e no que estava fazendo, a cada momento. Existe uma palavra para isso, que agora esqueci qual é.
Não significa que quando eu saio da escola, eu apago a existência de meus alunos. Eu me preocupo muito com eles! Mas preocupação á diferente de sofrimento. Eu não posso sofrer por um aluno. Meu sofrimento não ajudará em nada ele e me impedirá de ter a mente fria pra procurar uma solução.

Um comentário:

Anne disse...

É um exercício mental que precisamos fazer: nos concentrar 100% no que estamos fazendo. Confesso que isso nunca foi fácil pra mim. Mas nem tudo que é necessário é fácil. Quase nunca é. Amarante diz que o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer. Eu acho que o contrário também é "quase" verdade (será que isso existe???): o esforço pra esquecer é a vontade de lembrar. Bem, não é exatamente "vontade", mas uma espécie de impulso involuntário. Mas de qualquer forma, foquemos uma palavra: esforço. Ela é o segredo. E assim como em qualquer tipo de exercício, o esforço vai diminuindo a medida que nos aperfeiçoamos. Acredito que o esforço para esquecer (ou lembrar) de algo vai diminuindo cada vez que tentamos... Pra que minha vida siga adiante.