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terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Nara

Como dito no post anterior, eu e Anne Rodrigues nos propomos a uma iniciar um conto e a outra finaliza-lo. Dessa vez, Anne iniciou (azul) e eu finalizei (verde). Espero que gostem!

Nara não tinha a vida que pediu a Deus. Longe disso, sonhava com o momento no qual encontraria a felicidade. Mas isso não seria tarefa fácil. Agora, então, seria ainda mais difícil. Ela não se reconhecia, não entendia porque havia agido daquela forma. Poderia ter pedido ajuda, procurado a sua tia.
Fazia tempo que não a encontrava. Desde quando completou dezesseis anos e decidiu sair de casa. Não suportava mais ser maltratada, nem vê-la sendo espancada pelo marido. A casa ficava mais calma quando ele passava alguns dias sumido, mas sempre acabava voltando e ainda mais violento. Uma dessas vezes Tonho sumiu por quase dois meses. Terezinha, tia de Nara, até tentou arrumar trabalho na época. Mas o marido voltou e as mantiveram presas por vários dias sem sair de casa, até ter certeza que ela mudara de idéia.
Ficou com a tia porque não havia mais ninguém. Sua mãe a abandonou quando ainda usava chupetas. O pai... bem, este ela jamais conheceu. Não tinha raiva dos pais. Também não os amava. Aliás, na verdade não tinha nenhum tipo de sentimento por eles. Eles eram como estranhos, apenas isso.
Tomou mais uma dose da cachaça que havia sobrado. Precisava de coragem. Por acaso alguém entenderia que ela havia agido por amor? Não que ela morresse de amores por Dan. Ela morria de amores era por ela mesma. Ela estava em primeiro lugar na sua lista de prioridades. Mas agora que tudo aconteceu, ela precisava buscar uma solução.
Ouvia vozes e risadas vindas de fora da cabine do banheiro onde estava. Eram de duas mulheres dando palpite uma na roupa da outra. Nara começou a prestar atenção na conversa lá fora, até pra distrair sua mente, como se fosse possível esquecer. Enquanto escutava, tomava mais goles da cachaça. Sentada na tampa da privada, tinha aos seus pés quatro sacos plásticos com o que achou necessário no momento. Descansou a garrafa no chão e pôs as duas mãos sobre os olhos. Precisava parar de ficar relembrando o acontecido e começar a agir. Sem desespero!
Dan, que havia sido seu porto seguro, agora precisava dela. Nara se sentia responsável pela situação que Dan estava metido. Não havia tomado cuidado para que Tiago não desconfiasse de suas supostas visitas a salões e amigas desconhecidas. Ela se sentia muito segura em ir encontrar Dan na hora que eles bem desejassem. Percebeu que não lamentava o acontecido com Tiago, como se ele fosse um desconhecido. As lágrimas que banharam seu rosto eram por sua causa e de Dan. Mas estas desceram silenciosamente. “Isto deve ser um pesadelo! Oh Senhor, me acorde desse pesadelo!” Orava mentalmente.
Ao retirar as mãos sobre os olhos, mirou a aliança dourada em sua mão esquerda. Nela, um N e um T se entrelaçavam. Ficou olhando a aliança longamente como se a visse pela primeira vez. Já fazia nove anos que havia entrado naquele bar com o firme propósito de ficar com o primeiro cara que lhe desse bola e nunca mais vê-lo. Queria se vingar de Dan, seu namorado há três anos, por ele ter viajado sem ela pra Porto Seguro em pleno carnaval. Seguramente não havia a convidado pra poder ficar com várias garotas. Se ele pode, eu também posso, pensou. Ao ver aquele rapaz franzino, de olhos verdes e bem vestido, nunca imaginaria que dois anos depois estaria se casando com ele.
Nara nunca foi apaixonada por Tiago, mas esse deu a ela coisas que ela nunca havia tido: um lar, uma vida confortável e principalmente, a certeza que era amada. Pela primeira vez, Nara teve uma pessoa que fazia todas as suas vontades. Porém, há dois anos, na saída de um shopping pegou um táxi e pra sua surpresa o motorista era Dan. Ao vê-lo, de novo Nara teve sensações que julgavam esquecidas: as mãos suando, uma sensação no estômago como se estivesse repleto de borboletas, o tremor nas pernas... Foi impossível resistir aos pedidos dele de voltarem a se encontrar.
No inicio, tentaram ser discretos e encontravam-se uma vez por semana ou a cada duas semanas. Nessas ocasiões, um táxi parava na frente de uma casa de portões altos e Nara sentava no banco da frente do carona. Esse mesmo táxi deixava-a em casa às 17h20min aproximadamente, ou seja, cerca de 40 minutos antes de Tiago voltar pra casa. Porém esses encontros passaram a ser mais freqüentes e por várias vezes quando Nara chegava em casa, Tiago já havia voltado. Para disfarçar, alegou que o fim da tarde era o único horário disponível de sua manicure predileta, tendo que ir ao salão pela manhã pra sustentar sua mentira. Porém, como não podia sempre alegar essa desculpa, inventou visitas a amigas, a igreja e até um curso de inglês que foi seu álibi até Tiago se interessar em fazer curso no mesmo local que ela. O fato de Tiago fazer periódicas viagens a trabalho facilitava seus encontros com Dan.
Apesar de Tiago fazer cada vez mais perguntas sobre as saídas dela, Nara estava confiante que ele nunca descobriria que não se preocupava de repetir desculpas, se contradizer e por vezes ser pega na mentira por Tiago. Por isso sua surpresa ao ouvir durante o banho, apos o som da buzina da casa de Dan, as vozes do dono da casa e Tiago discutindo e depois o barulho de objetos caindo e do que pareciam serem uma briga corporal. Tiago havia saído naquela manhã dizendo que ia precisar viajar a São Paulo pra umas reuniões e só voltaria dali quatro dias. Nara entrou em pânico! Vestiu-se apressadamente e ficou do banheiro ouvindo o que acontecia, sem saber o que fazia. Nunca havia sentido tanto pavor em sua vida! Percorreu inúmeras vezes os poucos metros do banheiro. Pensou em tentar quebrar o basculante, sair do ele e fugir. De repente um profundo grito que silenciou todos os outros barulhos da casa e que foi diminuindo de volume.
Resolveu enfrentar a situação e saiu do banheiro. Na cozinha encontrou a cena mais terrível que havia visto na vida: Tiago caído no chão, segurando ainda a camisa de Dan e este segurando o cabo da faca de destrinchar galinha enterrada na barriga de Tiago. Percebeu que aquele não havia sido o único corte feito por Dan. Finalmente Tiago soltou a camisa de Dan e este se jogou pra trás.
Mas uma vez, em menos de duas horas, Nara estava num banheiro sem saber o que fazer. Quem poderia perdoar o que ela fez? Quem entenderia suas razões? Resolveu definitivamente não procurar a tia, afinal esta já havia tido problemas demais na sua vida. Percebeu que apesar de saber que Dan tinha mãe e avó vivas, nunca havia conhecidos elas e nem sabia onde moravam. Não havia uma amigas ou amigos a quem poderia pedir ajuda. Ela estava sozinha! Ou melhor, ela agora só tinha Dan! Precisava fugir pra livrá-lo da culpa que na verdade era dela.
Quando Nara retornou ao carro, Dan continuava adormecido no banco do carona e tinha um filete de sangue que descia desde a sua testa passando pelo rosto e descendo pelo torso que se mostrava pela camisa rasgada. Felizmente Nara havia encontrado aquele supermercado 24 horas. Tinha estacionado no fundo do estacionamento coberto e trocado suas roupas por outras que não estivessem sujas de sangue, ainda no banco do motorista. Dificilmente as 2 da madrugada alguém iria ver Dan no carro, mas mesmo que visse, o vidro fumê impediria que vissem o sangue. Apesar de ter bebido uma garrafa de cachaça, nunca se sentiu tão lúcida! É a adrenalina que não me deixa ficar bêbada, pensou.
Sentou-se no banco do motorista e pôs as quatro sacolas plásticas no centro do banco traseiro, de modo que pudesse manusear os seus conteúdos. Ao mirar de novo o rosto de Dan, novamente lhe veio a mente a cena de Tiago de olhos arregalados e boca escancarada num grito, com a faca enterrada até o cabo em sua barriga de onde saia uma profusão de sangue.
Não sabe como teve coragem e força para retirar a faca. Foi o instinto de sobrevivência que a fez retirar a faca da barriga de Tiago, tomando o cuidado de antes enrolar uma toalha de visitas que achou no banheiro, para que suas digitais não ficassem impressas no cabo. Foi esse mesmo instinto que a fez revistar os bolsos da calça de Tiago atrás de dinheiro e das chaves do carro, enquanto este tentava numa última tentativa de sobrevivência tentava puxa-la em um pedido de socorro. Entretanto, se desvencilhou de Tiago, foi ao quarto pegou a sacola com suas roupas e com muito esforço ajudou Dan a entrar no carro. A faca foi colocada no porta-malas. Agradeceu por Dan morar alguns metros distante dos vizinhos. Porém, certamente devem ter ouvido a briga e logo a polícia apareceria. Ela precisava fugir com Dan pra longe dali!
Respirou fundo. Retirou de uma das sacolas o pote de lenços umedecidos. Retirou um lenço e começou aos poucos a limpar o rosto de Dan, usando como lixo a sacola plástica onde estava o pote. Quando passou o lenço por cima do grande corte que havia na testa, Dan soltou um profundo gemido.
- Schhhhhhhhhhhhhhh! Calma, Dan! Eu estou aqui ao seu lado.
Com cuidado limpou Dan da melhor forma possível, gastando todo o pote de lenços umedecidos. Nos ferimentos passou merthiolate e cobriu com band-aid ou curativos de gaze e esparadrapo, de acordo com o tamanho. Ajudou-o a trocar a camisa e a calça por outra que havia acabado de comprar. Enquanto fazia isso, um pensamento lhe atravessou a mente pra sua inquietação: assim como sua tia Terezinha era cativa de Tonho, ela estava presa a Dan.
Guardou o restante do material comprado, antes oferecendo as comidas e bebidas que havia comprado à Dan.
Deu partida no carro às 4 hs da manhã sem saber pra onde iria e sem perceber que dirigia em zig-zag.

4 comentários:

Slevin disse...

Legal a idéia de uma pessoa começar e a outra terminar um conto.

Bem legal a história.

Slevin disse...

Tu botou uma postagem nova e fez comercial no orkut dela sem ler antes!

Palmas! hehehehe

Anônimo disse...

Legal a história
=)

Anne disse...

Puxa vida, não imaginava que Nara estava envolvida numa história tão arriscada. O que acontecerá no futuro dessa moça? Será que eles vão conseguir fugir da polícia? Fiquei aflita! Ai!!

:)

Adorei a história, amiga contista!