Desde 2006 servindo algumas lasanhas e muitas abobrinhas.

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sábado, 27 de dezembro de 2008

Jogo da Verdade - Parte IV

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Não havia mais vestígios da chuva do dia anterior. A rua estava seca, o tempo estava quente e o sol radiante. Só o cabelo de Martina estava “tempestuoso”.
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Como iria passar parte do dia com a mão na massa, literalmente, resolveu fazer um nero no cabelo. Como Marília não tinha grampos suficientes e nem ela havia trazido os seus, fez um rabo de cavalo e saiu prá comprar.
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Não foi difícil encontrar uma loja de produtos prá cabelo. Há várias com todo tipo de shampoo, creme e máscara prá cabelo rebeldes, com frizz, estressados, desidratados, tinturados, alisados, fracos, quebradiços e todos outros tipos de problema e característica que um cabelo crespo pode ter. Não se esqueça que essa história ocorreu em Salvador. Aproveitou e comprou um creme com “coquetel de vitaminas”. Bem, pelo menos era um creme colorido: rosa, verde, amarelo e branco, em camadas no pote transparente.
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No apartamento 203, Ramon queria trocar seu (inexistente) reino por um par de meias “usáveis”. Nem precisava estarem limpas, na verdade. Bastava parecerem que haviam sido lavadas. Mas também, se não achasse, ia no cesto de roupa suja e pegava qualquer uma! Ou ia sem meia!
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Ao chegar ao portão do prédio, Martina lembrou que o interfone ainda estava quebrado e havia, prá variar, se esquecido de levar o celular. “Burra!”
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Se tivessem combinado, não teria dado certo:
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- Tá perdida de novo?
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A imagem daquele rapaz lhe veio dessa vez com um perfume gostoso. Conhecia aquele cheiro de algum lugar. Que perfume era aquele mesmo? Tava uma graça com os cabelos molhados num topetinho arrepiado. Camisa pólo, bermuda cargo. Só achou estranho o tênis sem meia.
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- Não!
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-Ah! É porque seu lugar é ai fora do portão, né?
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“Que menino mais idiota!”
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Antes ele tivesse jogado logo um balde de água fria. O meio sorriso virou bico que Ramon percebeu. Até com raiva a menina fica uma graça. Pena que hoje estava com o vestido mais comprido que no dia anterior. Sentiu vontade de desamarrar aquele bico com um beijo
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- Desculpe a brincadeira, moça! – abrindo o portão e deixando-a entrar antes de sair. -Ce tá indo em que apartamento?
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- 303.
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- Ah, beleza! Depois então a gente se fala. Valeu! - E saiu correndo.
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Ainda estava com raiva. Era a segunda vez que tirava onda com a cara dela. Será que é porque ele viu que ela tava olhando ele no açougue? Tinha que aprender ser mais discreta, caramba! O cara só devia achar que ela tava afim. Que idéia!
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E o que ele quis dizer com “depois”? Seria um “depois” hipotético ou real? Será que ele estaria no aniversário? Não era possível! Devia ter coisas mais interessantes para fazer num sábado a noite. Ele tava tão gatinho! Com aquela cara... vixe... Que nada! Além do mais, era capaz de só voltar no dia seguinte, de nunca mais vê-lo.
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- Sabe aquele cara que te falei ontem que abriu o portão prá mim?
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- Hum... O que tem?
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- Ele quem abriu de novo o portão prá mim.
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- Por que você não levou a chave?
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- Ia te deixar sem chave?
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- Mas você não foi rapidinho?
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- É.
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Marília tirou os olhos da massa do pastel prá olhar a irmã. Martina devia tá querendo lhe falar mais alguma coisa. Mas o que? O menino abriu o portão de novo. Pronto! Da próxima vez ela leva a chave. Mas, ora! Devia ser só isso.
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Martina era muito compenetrada, direita. Não iria sofrer os tropeços que sofreu. Além disso, tava muito nova: 16 anos. Tinha mais é que estudar, pensar no futuro, ser independente. Sabia que a irmã tinha medo que lhe acontecesse o mesmo. Percebeu o olhar assustado no dia anterior. Talvez, por causa disso, até tivesse um pouco de medo de homens. Nunca havia falado de namoros e meninos, mesmo quando provocada. Era melhor assim!
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Melhor cuidar dos pastéis, viu! Ao pegar a tigela com frango desfiado, sua cabeça foi invadida por ecos do passado, que considerava esquecidos. Quis lutar, mas a lembrança, inexplicavelmente, foi mais forte.
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- É esse?
- Hum... não!
- É esse?
- Não.
- E esse?
“Será que Chele apertou mesmo meu olho?”
- Fala logo! É esse?
“Ai, Meu Deus? E agora?”
- É...
- É?
“Agora sim ela apertou! Mas... o que será que Chele quer que eu faça? Será que é prá eu confirmar ou dizer que não?”
- É.
-Pêra, uva, maçã ou salada mista?
“Um aperto na hora de salada mista. Será?”
- Hum?
- Nossa! Hoje a Mari tá toda lesa! Acorda! Pêra, uva, maçã ou salada mista?
“Outro aperto no salada mista. Mas... e se Chele tiver me sacaneando?”
- Saaaaalada mista.
Risadas e gritaria. “Ain... porque eu fui dizer salada mista?”
Mesmo depois de Chele tirar as mãos dos olhos, ela ainda estava de olhos fechados. Que medo de abrir e não ser o Tito! Que medo de ser o Tito! Ouviu risadas e percebeu que tava fazendo papel de boba. Abriu os olhos e não pôde conter o sorriso de vergonha e felicidade. Com certeza todos ao redor ouviam as batidas de seu coração.
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- Não é melhor fazer logo os brigadeiros?
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- ...
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- Marília!
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- Ãhn?
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- Tava dormindo? Os brigadeiros. É melhor fazer logo prá esfriar até a hora da festa.
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- Ah, faça!
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Melhor cuidar dos pastéis e deixar o passado no seu lugar: no passado.
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Martina havia parado de fazer conjecturas sobre o tal rapaz do 2º andar. Mas que ele tava bem cheiroso, tava! Mas era grosso! Tirou onda com a cara dela! Mas agora não pensava nisso.
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Depois de enrolar, ficou admirando e sentindo o cheiro dos brigadeiros recém-feitos. Lembrou-se das festinhas que ia, quando criança. Música, bexigas e brigadeiros, o trio perfeito. Enquanto a mesa de doces não era liberada, brincava, mas com o olho comprido prá cima dos brigadeiros. Que alegria comê-los! Sentir aquele sabor de chocolate, o doce derretendo na boca e o granulado descendo coçando a garganta.
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A buzina tocou, despertando as irmãs do passado e trazendo-as de novo ao presente.
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- Má, atenda prá mim, por favor. Deve ser os quibes da Dona Gal.
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E quibes andam sozinhos? Quis perguntar, mas levantou-se, limpou as mãos no pano que estav no seu ombro e se dirigiu a porta.
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Quando olhou pelo olho-mágico, tomou um susto. Ao som de outra buzinada, retirou as pressas os grampos do cabelo, jogando-os no chão, e tentou pentear com as mãos.
Respirou fundo e abriu a porta.
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(Continua)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Jogo da Verdade - Parte III


Passos apressados e rosto ainda queimando. Não sabia se era vergonha, raiva ou uma mistura dos dois. “Esquece, Martina. Até a noite de hoje eu já vou ter esquecido.”
Sentiu de novo uns pingos, mas já estava na frente do prédio onde mora a irmã.
Aquele era um pequeno conjunto habitacional com prédios de três andares, sem guarita. O medo fez com que todos fossem os blocos fossem gradeados, com interfones prá solicitar o acesso.

303. Quando Martina apertou o botão referente ao apartamento da irmã, não ouviu o barulhinho característico. Mas, nem ligou e esperou. Cerca de um minuto depois, apertou de novo. E mais uma vez após mais um minuto. Olhou prá cima, pras janelas, mesmo sabendo que o apartamento da irmã é voltado pros fundos. Mas queria alguma ajuda. “Ai, meu Deus! Cadê a Marília?” E os pingos ainda caindo do céu. Tentava ao máximo se proteger, enquanto mais uma vez apertava o botão para o apartamento da irmã.

Estava procurando o celular na bolsa quando sentiu alguém se aproximando. Assustada, apertou a bolsa no corpo com os braços e arregalou os olhos.

- Calma, que eu não vou te assaltar. – disse rindo.

O coração quase saiu pela boca. Era o rapaz do açougue.

- Não, não...

“Essa mina ta uma graça de rosto vermelho. Mas é muita sorte essa minha, mesmo.”

- Tá perdida?

- Não... – porque nunca conseguia ordenar os pensamentos quando ficava nervosa?
Porque ela tava nervosa, mesmo?

- Ah! Então você já se achou! – rindo, destrancou o portão e entrou no prédio.

“Esse menino tá tirando onda com minha cara? Ele tá rindo de mim. Nem vou perguntar nada prá esse idiota. Ai! Será que vai chover de novo? Eu queria pelo menos entrar no prédio.”

“Chamo ela prá se proteger da chuva aqui no prédio? E se ela levar a mal meu oferecimento?”

“Vou só chamar Marília uma vez pelo interfone. Se não atender, eu ligo e vou embora. Era prá ela estar em casa!”

- Moça, nem tente que o interfone tá quebrado.

- Quebrado? – com o braço ainda esticado no ar.

- É! Faz já uns dois dias. Porque você não entra e vai diretamente ao apartamento que você quer?

“Pensei que nunca iria oferecer.”

- Ah, tá! Obrigada!

Mal esperou ela entrar, Ramon subiu correndo as escadas. Lembrou que a cozinha ainda estava um caos e a mãe chegaria em poucos minutos. Não desejava naquela semana arranjar confusão em casa.

Enquanto subia as escadas, Martina ouvia o barulho e o eco das passadas de Ramon acima de sua cabeça. Estava a alguns degraus do segundo andar quando viu a porta do 203, logo abaixo da casa da irmã, se fechar ruidosamente.

“Nossa, ele mora aqui! Que coincidência. Marília deve conhecer.”

- Menina, que demora foi essa? Você tá linda! Entrou como no prédio? – falava Marília entre abraços e beijos no rosto da irmã caçula.

- Eu tava lá embaixo apertando o interfone feito uma doida. Ai, apareceu um rapaz e abriu o portão.

-Um rapaz? Que rapaz?

- Ah, um moreninho... Ele entrou no apartamento aqui embaixo.

“Deve ser o Ramon ou o Pablo. Não! A essa hora em casa, é o Ramon.”

- Que chuva, hein? Nem trouxe sombrinha.

- Mas você vê que tá fazendo sol. E nem abafou o calor. Semana passada...
Martina nem prestou mais atenção no que Marília falava, ao olhar prá irmã e constatar o quanto estava acabada. Devia ter o que? 27 anos? Parecia ter uns 10 anos a mais.”

-... de você! – e olhou a irmã.

Vendo Marília lhe encarando, saiu do transe.

- Ãhn?

- Fale de você!

-Ah, eu to bem! Estudando, vendendo minha Avon... Cadê Edgar?

- Daqui a pouco ele chega. Ai, você vai ver o amor de sua vida.

- O que é isso Marília? Ciúmes?

- Que nada! Já estou conformada com esse amor roxo de vocês dois! Olha, ele ainda não sabe da surpresa, não! Então, boca piu!

- Pode deixar!

- É tão bom te ver!

- Eu também acho! Eu também acho!- falou abraçando bem forte a irmã.

(continua...)