Desde 2006 servindo algumas lasanhas e muitas abobrinhas.

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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Por volta das 7 da manhã


Acabou se maquiando excessivamente na tentativa que não percebessem seu estado de espírito. Se desconfiassem de alguma coisa, diria que achava que tava ficando gripada. E se perguntassem por Rafa, diria que, diria... Percebeu que não sabia o que responder caso lhe perguntassem.

O cheiro de café recém passado ao invés de lhe animar, dessa vez lhe embrulhou o estômago. Será a marca nova? Não, não havia ainda aberto a nova embalagem. Derramou o líquido escuro na pia. Se sentisse fome, desceria até a cantina.

Novamente conferiu sua roupa. Queria estar mais bonita que nunca, como compensação. Mas não queria levantar suspeitas, parecer diferente. Ela, que sempre reclamava de sua rotina, naquela manhã queria que sua vida continuasse a mesma.

Onde estaria Rafa àquela hora?

Conferiu sua bolsa mais uma vez, mas ao fechar a porta, sentiu que faltava algo. Olhou a bolsa de novo. Chaves, documentos, dinheiro, celular, maquiagem, agenda. O que esquecia, Deus?

Quando engatou a segunda marcha, que as lágrimas começaram a cair. No som, Chico. O ar gelado. E o assento do carona dolorasamente vazio.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Telminha e Zeca

Telminha e Zeca foram casados por 8 anos, após um namoro que logo virou noivado de 5 anos. Casaram porque era o correto a fazer, depois de tanto tempo. O apartamento já havia sido entregue pela construtora, mesmo!
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Uma pequena reforma no antigo vestido de noiva da mãe (afinal o vintage estava na moda), um pequeno estoque feito com meses de antecedência de ingredientes para docinhos e salgados (que foram feitos pelas tias durante 2 dias, como forma de presente de casamento), o bolo encomendado na melhor padaria do bairro, um padre que havia sido colega de sala na infância e muita boa vontade das amigas para decorar a igreja e um galpão alugado, possibilitaram a realização de um casamento simples e caloroso.
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No primeiro aniversário de casamento, Telminha resolveu fazer uma surpresa para Zeca. Pediu pra sair mais cedo do trabalho e passou a tarde no salão. Cortou, escovou, cacheou, depilou, limpou, escarnou, pintou, perfumou e maquiou tudo o que tinha direito. Quando ouviu o barulho da fechadura, correu prá sala vestida com a fantasia de oncinha que há uma semana havia comprado, num sexshop. Zeca arregalou os olhos e logo explodiu em gargalhadas, perguntando onde era o baile de carnaval.

Naquela noite, eles saíram: ele prá o estádio futebol para ver a final do campeonato com seus colegas de trabalho e ela prá casa de sua melhor amiga prá chorar.

Uma semana depois, Zeca perguntou se não estava perto o aniversário de casamento deles.

Telminha se convenceu que casamento era "isso mesmo", mas ainda sonhava em ser o objeto de "amor incondicional" de alguém. Por isso, resolveu engravidar. Quando mostrou o exame positivo para Zeca, disse que não dava mesmo prá confiar em pílulas.

Aquela gravidez ocupou seu coração, seus pensamentos e seu tempo. Aquela dependência daquela bebê cheio de dobrinhas que só sossegava em seu peito parecia ser seu sonho materalizado. E para sua bebê não importava como estava sua unha, seu cabelo ou se estava depilada. Sua bebê a amava e precisava dela. Zeca passou a ocupar o papel de motorista, em sua vida.

Zeca via aquela mulher cada vez mais relapsa com a aparência, vestindo aquelas camisolas enormes de algodão que pareciam serem de sua avó e se perguntava por onde andaria aquela fantasia de oncinha que Telminha vestiu certa vez. Ela ficou engraçada de tão vulgar, mas sabe que até tava mesmo gostosinha...

Zeca amava muito Biazinha, mas não aguentava mais tanto de papo de fraldas, leite e consultas pediátricas. Já o seu time... esse só lhe dava alegrias. E nada melhor que sair com os amigos prá assistir á algum jogo num bar e depois discutir cada lance.

Mas Biazinha cresceu, virou Bia. Foi prá escolinha, o que foi um baque prá Telminha, pois esta percebeu que sua filha conseguia sobreviver a algumas horas sem ela. Sem que a mãe percebesse, Bia aprendeu a ler e passava horas lendo e relendo seus livrinhos. De repente, começou a pedir mais e mais prá ir brincar na casa de alguma vizinha de sua idade. E voltava contando novidades de um mundo no qual Telminha não tinha qualquer participação. Cadê aquela dependência, aquele "amor incondicional"?

Prá completar, Zeca resolveu assinar tv a cabo prá assistir jogos de futebol com times que Telminha nunca havia ouvido falar. E ainda convidava um monte de amigos prá assistir tv, beber e falar palavrão até a madrugada enquanto Telminha fazia tira-gostos, pegava cervejas e lavava pratos e copos. Telminha assumiu o papel de empregada na vida de Zeca.

Ela nem se surpreendeu quando atendeu o celular do marido que tomava banho e ouviu um meloso: "Amooooooorrr, você pode falar com sua Potoquinha?" Telminha entregou o aparelho para Zeca no banheiro dizendo que era Potoquinha e voltou a catar o feijão. Não chorou e nem sentiu raiva.

Toda a família tentou convencer ao casal de voltar atrás na decisão do divórcio. "Pense na filha de vocês, que é apenas uma criança!" Já Bia estava feliz por que teria dois quartos a partir de então. Não estava acostumada a ver os pais como casal, mesmo!

Telminha resolveu que seu "amor" tinha que ser ela mesma. Entrou na academia e prestou vestibular numa faculdade particular perto de sua casa. Com as novas colegas de administração voltou a frequentar o salão e até passou a fazer drenagem linfática. A mudança estética e na auto-estima era notável! Logo começou a sair com um colega de classe, 15 anos mais jovem.

Numa tarde de sábado, enquanto passeava com Bia e a Potoquinha (que na verdade se chamava Eliete), Zeca mal pôde acreditar em seus olhos ao encontrar casualmente Telminha. Nunca a tinha visto tão bem, daquele jeito! Telminha quis fugir, fazer de conta de que não o tinha visto. Afinal, estava com o Douglas e sua intuição que falou que aquela loira que mal devia ter 25 anos, era a Potoquinha. Mas ouviu a filha chamando por ela. O jeito era enfrentar.

Ela tentou ser o mais natural possível, principalmente ao apresentar o Douglas. Zeca estava nervoso e prá disfarçar, não largou as mãos de Eliete e Bia prá que as suas não o traíssem. Telminha encolheu a barriga e empinou o peito, abraçando Douglas. Zeca tentava não ficar medindo aquele moleque, se perguntando em que berçario Telminha devia tê-lo achado.

Ela não podia se cuidar, se vestir bem e ficar bonita daquele jeito quando eram casados?

Ele não podia ser carinhoso e ficar de mãos dadas com ela ao passear pelo shopping, quando eram casados?

Aquela vaca!

Aquele cachorro!